Entrevista com o Mestre Tristão da Cunha

Quando começou a aprender Aikido?

Comecei há cerca de 30 anos atrás, em Melbourne.

Então começou na Austrália, não em Portugal?

Sim, na altura em que eu comecei estava a viver na Austrália. Só vim muito mais tarde para Portugal, um ano após graduar-me na Universidade.

Quanto tempo esteve a estudar Aikido em Portugal?

Quando voltei em 1985, estudei em vários clubes de Aikido e aí treinei até ir viver para o Japão, em 1986.

Isso é muito menos do que na Austrália.

Sim, acho que o meu treino em Portugal totalizou 10 meses, antes de poder ir finalmente para o Japão.

Quando visitou o Japão pela primeira vez?

Em 1986.

Quais foram as suas impressões?

Era uma cultura e sociedade completamente diferentes. Estive um dia inteiro perdido em Tokyo! Depois lembrei-me da Aikinews, uma revista de A ikido que tinha a sua sede em Tokyo, telefonei-lhes e obtive algumas indicações que me ajudaram a ir para Iwama. No princípio foi bastante difícil, não pela sociedade em si, mas devido à sub-cultura do Budou no dojo de Iwama. Não tinha nada que ver com o modo normal de vida japonês … Sensei era muito novo, muito severo e nós uchideshi estávamos sempre a tremer… excepto à noite. À noite tínhamos sempre muitas festas com Sensei… que era sempre extremamente hilariante.

È verdade que precisou de uma carta de recomendação para entrar no dojo e tornar-se um uchideshi?

Não foi só nessa altura, hoje em dia ainda é necessário carta de introdução para entrar no dojo e estudar… Nessa altura arranjei duas cartas de recomendação: uma do meu professor em Melbourne, Barry Night e a outra de Tamura Sensei.

De Tamura Sensei? Mas ele não era um membro da Aikikai?

Sim. Nessa altura Iwama e Aikikai eram o mesmo. Saito Sensei era um dos membros de topo do Aikikai. Nós éramos os seus discípulos. Houve um ano em que Sensei veio a França ensinar e nessa altura ele disse que se alguém na Europa desejasse ir a Iwama como uchideshi, devia pedir a Tamura Sensei uma carta de recomendação. Foi isso o que eu fiz. A carta de Barry Sensei era suficiente mas, pelo sim pelo não, também pedi uma a Tamura Sensei…Após o primeiro treino da noite, Sensei convidou-me para ir ao bar de sushi da sua filha mais velha, para um jantar de boas vindas. Este bar – Hajime Sushi Bar - ainda existe nos dias de hoje e é excelente. O Sr. Stanley Pranin, da Aikinews, estava lá e serviu de tradutor. Sensei disse que eu fui o primeiro estrangeiro a trazer duas cartas de introdução. Isto não era vulgar. Lembro-me disso muito bem. Shibata Sensei de Sendai também lá estava.

::TOPO::

Durante quanto tempo lá ficou?

Fui uchideshi por 6 meses.

Porque não ficou mais tempo?

Mais tempo? Já alguma vez foi uchideshi? Até um mês já é muito tempo! (risos). Bem, na verdade eu também tinha algum dinheiro extra e queria ir à Índia e visitar a Ásia. Pensei que depois de Iwama era o que faria... No final, gastei tanto dinheiro no Japão que não pude viajar como tinha planeado. Tive de regressar a casa.

Porquê o Aikido?

Páginas amarelas.

Páginas amarelas?

Sim. Quando vivia em Melbourne, a dada altura havia alguns grupos de criminosos que costumavam invadir as casas das pessoas e vandalizar tudo. Eu morava com alguns familiares na altura. Eles viajavam muito e eu ficava sozinho em casa. Como a casa deles ficava num subúrbio distante, eu sentia algum receio e decidi aprender um método de auto-defesa. A primeira coisa de que me lembrei foi Kung Fu, dado que tinha muitos amigos na universidade que praticavam esta arte. Eu também era grande fã de Jacky Chan. Fui por isso às páginas amarelas e na entrada de Kung Fu dizia: “Veja em artes marciais”, o que fiz. A primeira arte marcial nesta secção era Aikido. Então lembrei-me que a minha mãe tinha um livro de Aikido (acho que era Tomiki Aikido). Nessa altura a minha mãe era uma praticante de Judo muito activa. Portanto decidi dar uma vista de olhos. Tive muita sorte porque um dos principais dojos era precisamente na minha universidade.

Tem uma organização em Portugal, pode-nos falar sobre isso?

Bom, antes de mais, devo dizer que não é a minha organização. Eu fundei-a, está correcto, mas pertence aos associados. Antes de voltar do Japão, Sensei disse-me para criar o meu próprio dojo. Estávamos a massajar Sensei antes da aula como fazíamos todos os dias (era uma tarefa difícil) e Sensei disse: Aikishuren Portugal. Depois disse mais alguma coisa e finalmente disse Portugal Aikishurendojo. Eu olhei para o uchideshi sempai que ali também se encontrava e ele disse: Sensei diz que este é o nome do grupo que tu deves formar em Portugal. Eu fiquei perplexo… e parei de massajar Sensei, mas ele gritou “mais forte!!”(gargalhadas). Por isso, quando voltei para Lisboa, decidi formar este grupo. No entanto, devido à falta de dinheiro – tinha gasto a maior parte do meu dinheiro em Iwama – só consegui em 1989. Isso aconteceu há mais de 20 anos.

Pratica mais alguma arte marcial? Ou praticou no passado?

Sim, quando era mais novo tive de praticar Judo. Como lhe disse, a minha mãe era uma praticante de Judo muito activa e queria que os seus filhos, a maioria dos quais rapazes, também praticassem Judo para ficarem fortes física e mentalmente. Mas na realidade eu não gostei assim muito. Havia muitos agarros e eu detestava ter de vencer os meus amigos e, o que era pior, ter de perder. Arranjei tantas desculpas para não treinar que, finalmente, permitiram que parasse. Depois, quando tinha vinte e poucos anos, pratiquei kickboxing e full-contact durante dois anos. Um dos professores destes desportos de combate queria aprender Aikido e por isso perguntou-me se podíamos intercambiar: ele ensinava-me a sua arte e eu ensinava-lhe Aikido. Foi isso que fizemos. Foi muito divertido e bastante trabalhoso.

Mais tarde veio da África do Sul outro professor de Ryukyu Kobujutsu. Tivemos um tipo de arranjo similar. Ele ensinou-nos algumas armas de Kobujutsu como a Tonfa, Nunchaku, Tessen, Tanbo, Kon, Sai, etc. Este professor era também perito em Shaolin Sh’un Fa Kempo, uma arte marcial que aprendeu de um Sifu em Moçambique. Ele também nos ensinou isso. Isto também durou cerca de dois anos. O nosso grupo era bastante grande nessa altura. As classes estavam cheias e por vezes mal podíamos fazer o movimento correcto. Hoje em dia vivo somente do Aikido.

::TOPO::

Mas não acha que um estudante de Aikido devia aprender mais do que apenas Aikido? Não é um pouco limitativo? Não era Myamoto Musashi que dizia que se devia estudar todas as artes?

Ao longo dos meus anos de estudo passei a olhar para o Aikido como um verdadeiro Budou. É imenso. Pode-se estudar as mesmas técnicas vezes sem conta que continuam a aparecer coisas novas. É como um labirinto infinito. Neste sentido, nem posso dizer que é uma arte marcial…

Ao dizer que o Aikido é Budou, quer dizer que não é uma arte marcial como as outras? Ou as outras não são budou? Para a maioria das pessoas é apenas isso, outra arte marcial japonesa…

Para mim não, o Aikido não deve ser visto como uma arte marcial. É mais uma Via Marcial a qual usa estudos profundos de vários caminhos marciais usando o Aiki. Por esta razão não é limitativo. Esta Via é tão vasta, que na verdade vai ao encontro de muitas outras artes marciais. O Fundador do Aikido escreveu dois livros: Budo Renshu e Budo. Nenhum deles tem a palavra Aiki impressa. É verdade que na altura em que os escreveu ainda não havia a palavra “Aikido”. Mas isto mostra realmente o seu pensamento. Se ler os seus poemas, ou Douka, e outros escritos anteriores à guerra, e os comparar com o pós-guerra – quando o Aikido já existia de uma forma organizada – pode ver que o seu pensamento era bastante consistente. Ele era muito consistente na sua abordagem do Budou. Morihiro Saito Shihan também costumava dizer sobre alguns estudantes de Aikido que não eram particularmente bons: “Ele não compreende o Budo”, e nunca “Ele não compreende o Aikido”.

O Aikido não tem fronteiras por isso não podemos realmente considerá-lo uma arte marcial. Não podemos dizer: aqui começa e aqui acaba. Em Iwama aprendemos isto. Infelizmente, este conceito ao qual o Fundador dava tanto valor, não é estudado noutros lugares. Também muitos estudantes de Iwama têm uma ideia modificada do budou do Fundador. Eles aprenderam técnicas dos seus professores e até mesmo de ambos os mestres Saito. Contudo, não lhes foi ensinada a abordagem correta, seja porque os professores não eram especificamente bons ou porque eles próprios não gastaram muito tempo a aprender com algum dos Mestres Saito. É uma pena. Ainda assim, Saito Sensei ainda está vivo e ele, desde criança que estuda de O'Sensei. Então, estes alunos mal orientados ainda têm a possibilidade de captar alguma essência dele. Mas é preciso ir ter com Sensei para aprender, pois é a única forma de evoluir rapidamente e com qualidade.

Qual é a sua graduação?

Sou 7º Dan.

Mas tem apenas 49 anos,…existem muitos comentários sobre esta graduação, e antes mesmo, quando tinha o 6ª Dan…

Sim, eu sei. Eu não pedi esta ou qualquer graduação. Nunca pedi uma graduação para mim próprio, todas me foram dadas pelos meus professores e sem o esperar. Para o 5º Dan, por exemplo, estava na altura a viver em Iwama como uchideshi. No dia em que a recebi estava a trabalhar no campo com Sensei. Sensei teve alguns problemas com a tensão alta e eu auxiliei-o a regressar a casa para descansar. Voltei para regar as hortas de Sensei.

::TOPO::

...Este Sensei é Hitohiro Sensei?

Não, é o velho grande mestre Morihiro Saito Sensei. Passado algum tempo, Sensei tocou a sineta dos uchideshi e eu corri para o atender, limpando-me enquanto corria. Quando cheguei a casa de Sensei ele entregou-me um certificado enrolado, o qual - como fazia normalmente - desenrolei para ver a quem se destinava, para poder colocar no kamidana do dojo e avisar a pessoa em questão que iria receber o certificado nesse dia. Quando vi o meu nome escrito, parei por um momento sem saber o que estava a acontecer… Olhei para Sensei e ele fechou o seu enorme punho e apontou-o para mim dizendo ”Se me pagas fico muito zangado…”. Eu já tinha recusado muitas graduações anteriormente, por não ter dinheiro para as pagar. Dessa vez ele não aceitava uma recusa e avisou-me logo.… (risos)

As pessoas ficam muito ciumentas se vêem outras obter promoções de Dan. Eu fico contente: significa que essas pessoas estão a estudar e a contribuir para o desenvolvimento da arte. Eu ajudei centenas de pessoas com os seus exames de Dan, dentro e fora de Portugal, mesmo pessoas que não seguiam Saito Sensei a 100% mas que queriam ter a honra de ser examinadas por este grande mestre. Tive muitos amigos meus que continuaram a viver no Japão como “soto deshi” durante muitos anos depois de eu ter voltado a Portugal e como resultado de estudarem directamente com o mestre, graduaram-se acima de mim. Isto foi muito bom e celebrámos juntos quando nos encontrámos de novo.

Houve um professor em França - ele era 5º Dan na altura e estava de visita a Iwama por uma semana. Juntamente com ele estava um dos seus alunos, o qual ficaria por mais tempo como uchideshi. Este aluno queria ser examinado por Sensei para o Dan de Bukiwaza. Eu disse-lhe que perguntaria a Sensei se o examinava mas antes perguntei ao seu professor “Porque não o examinas tu em vez de ocupares Sensei com essa tarefa?” Suponho que o aluno queria fazer shoudan ou nidan… um nível muito baixo. Este professor disse “…Como Sensei nunca me deu nenhum mokuroku eu não posso examinar nenhum dos meus alunos para Dan de Bukiwaza.”. Visto isso, fui logo ter com Sensei e disse-lhe que o tal professor não tinha licença para avaliar mas era há muito tempo professor de Iwama Ryu. Sensei ficou muito surpreendido. “Verdade?” Disse ele. Sensei foi confirmar no seu livro e viu que o professor só tinha licença para ensinar taijutsu. Por isso deu a esse professor todos os 5 certificados (de bukiwaza) de uma só vez, com um desconto especial e um pedido de desculpas pelo facto de o ter esquecido (risos). Este professor, mais tarde, abandonou o sucessor de Sensei, mas continua a ensinar ativamente. Fiquei muito contente por poder ter ajudado este professor de alta graduação a conseguir os Dan dele.

Acerca dos Dan… os professores geralmente são os que devem honestamente e sistematicamente promover, com ou sem exames (conforme o caso), os seus próprios alunos. Os alunos que pedem um Dan geralmente não são muito humildes, no entanto não significa que não possam mudar no futuro, conforme vão ficando mais velhos. Existem muitos professores, em todas as organizações de artes marciais, que atingiram um nível alto muito rapidamente. São varias as razões para isto: muitos treinaram diariamente e nunca tiraram férias, enquanto que os seus colegas apenas treinavam uma ou duas vezes por semana e tiravam férias e por vezes grandes períodos de ausência do Aikido por todo o tipo de razões. Como resultado os primeiros atingiram níveis mais altos antes dos seus colegas. Por vezes - e isto acontece em muitos casos - os professores eram enviados para longe do dojo principal para outros países, para ensinar, e como resultado era-lhes dado mais do que uma graduação de uma só vez de modo a poderem ter um maior número de alunos nos novos países. Outras vezes, eram pessoas que não treinavam assim tanto, ou treinavam normalmente, mas deram um grande suporte económico e político à organização. Outros, são simplesmente formidáveis, são excepcionais e fantásticos. Por todas estas razões e outras, muitos subiram nos níveis muito depressa.

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Sim, existem muitos casos destes....

Tohei Sensei, um dos mais velhos, ou talvez o aluno mais velho de O’Sensei, ainda vivo, começou a praticar com o fundador em 1939 – nessa altura não era Aikido mas aikibudo – e em 1942 partiu para a guerra. Até 1946, quando voltou para o Japão e contactou O’Sensei de novo, não treinou. Em 1952, foi promovido a 8º Dan, 10 anos após começar a praticar. De novo, 10 anos mais tarde, em 1960, foi-lhe atribuído o 9º Dan e o 10ª Dan em 1970 (na verdade O’Sensei deu-o em 1969 pouco antes da sua morte). É claro que Tohei Sensei é verdadeiramente excepcional, mas aconteceu assim, muito rapidamente. Existem muitos casos como este.

Eu treino todos os dias, não tiro férias. Quando digo “todos os dias”, significa todos os dias. Não há domingos para descansar. Aqueles que treinam comigo sabem que é assim. Eu passo muito tempo a administrar a organização e a ajudar em assuntos internacionais (o que toma a maior parte do meu tempo). Mas passo muitas horas a ensinar dentro e fora de Portugal e participo em muitas actividades ligadas à nossa prática tradicional. Este é o modo como vejo a Via. Também, como não sou muito esperto, tenho de treinar mais do que a maioria das pessoas para compreender coisas simples. Sensei ensinou-nos a estudar lenta e profundamente, técnica a técnica. Ele disse-nos a todos para não nos afastarmos do básico. Além disso, estou cada vez mais velho e a minha força física altera-se. Contudo, continuam a aparecer alunos mais novos e mais fortes para treinar. Se eu não treinar todos os dias… não saberei como ensinar ou aplicar técnicas em cada um destes jovens… Qualquer pessoa que siga esta via de treino intensivo e contínuo, atingirá níveis mais altos mais rapidamente, penso eu. Também, quando eu vou a Iwama, fico sempre um mês inteiro. Nunca fico 10 ou 15 dias, como a maioria dos professores. Isto, sem dúvida alguma, melhora muito a minha técnica.

Mas é um Shihan

Sim, Shihan é um instrutor sénior autorizado. É uma categoria muito alta, mas as pessoas fazem disso uma coisa ainda maior. Não é uma posição divina. Muitas pessoas ficam ciumentas mas é apenas uma categoria superior, apenas isso. Shihan–dai, a categoria antes de Shihan é um instrutor assistente. Não há nada de excepcional acerca disso excepto a quantidade de esforço, estudo e trabalho particular que cada um pôs na sua Via. Quando o número dos membros a estudar uma certa arte aumenta, é necessário ter mais estudantes com um carácter correcto, que tenham algum entendimento profundo da arte e a quem são dadas responsabilidades. Não é assim? Estes ajudarão na instrução dos novos membros. Se uma dada pessoa, de acordo com os olhos de Sensei tem estas características, poderá receber o título de Shihan, ou qualquer outro. Morihiro Sensei ainda vivia e estava de boa saúde, quando o seu filho deu-me o título de Shihan do Tanrenkan. Eu tinha o 5º Dan na altura. Mas de acordo com a mente do filho de Sensei, o meu trabalho para com ele e para com o seu pai tinha tais responsabilidades que ele decidiu dar-me esta posição. Não foi um Dan; foi uma responsabilidade. Mais tarde, no mesmo dia, enquanto estava a comer com o venerável velho mestre, ele (Morihiro Sensei) disse-me: “Omedetou (parabéns). És um Shihan!” Pensei que só Waka Sensei sabia disto, mas pelos vistos, o seu pai sabia tudo (risos).

Então acha que é importante subir nas graduações?

Não, eu não disse isso. De facto não gosto nada de graduações. Eu prefiro, e já falei sobre isto em diversas ocasiões, o sistema antigo de dar licenças de ensino apenas a aqueles que seguem a 100% o professor e que se aplicam a 100% para aprender a Via. Como professor, no entanto, é claro que quero que os meus alunos nunca parem de estudar esta arte maravilhosa. Por isso insisto sempre com eles para estudar e estudar. Assim que obtêm uma graduação digo-lhes sempre “Comecem a estudar para a próxima”. A próxima graduação pode vir em dois ou três anos, mas apenas se eles estudarem realmente. Aqueles estudantes que não vêm praticar, nunca vêm aos estágios e nunca se juntam aos outros para nenhum tipo de actividades, a esses não digo nada. Obviamente, pela sua atitude, não querem ser incomodados… por isso não os perturbo (risos).

Existem pessoas que, mesmo quando o seu professor vai ao seu dojo e os ensina e depois volta e torna a voltar, não estão dispostos a vir ao dojo principal e aprender com os professores principais. Este tipo de estudantes não vão subir nas graduações. Eles não têm a vontade de procurar o conhecimento. Eles querem tudo servido numa bandeja, na sua casa. Não há prato de “take-away” no Budou!!(risos). Geralmente, nas artes marciais tradicionais, são os alunos que procuram o professor e não o oposto (risos). Eu cometi este erro muitas vezes (tenho pena dos alunos e vou ao seu dojo para os ensinar)… e suponho que continuo a fazê-lo (risos).

::TOPO::

Então o que é um bom aluno?

Bem, essa é difícil (sorrisos). Se uma pessoa é dedicada, honesta, educada e aprende depressa não é suficiente para ser um bom aluno. Também necessita de lealdade e sacrifício. Eu gosto especialmente dos alunos que vêm algum tempo antes do treino, limpam o dojo e treinam antes da aula, fazem a aula e ficam depois da aula a treinar ainda mais, limpam tudo de novo e então voltam para casa. Este tipo de alunos são dignos de confiança. Não precisam de ser brilhantes e geniais. Se sacrificam muito do seu tempo para praticar aikido, então são dignos de ensinar.

Mas deste modo não têm uma vida pessoal fora do aikido…

Ele terá uma boa vida pessoal dentro do Aikido. O Aikido é muito maior e vai para além das horas de treino. No Iwama Ryu admiramos Disciplina, Etiqueta e Reconhecimento - ou agradecimento ou seja o contrário de ingratidão. É verdadeiramente difícil fazer o que está correto e agir sempre corretamente. Se, dentro desta Via, todos tentarmos agir deste modo… não é melhor do que viver fora dela onde já não se podem encontrar valores e uma forma de vida correcta?

De qualquer modo o Aikido não é um budou fechado. Ao contrário, é muito aberto. A dedicação à própria família e amigos também faz parte do Aikido. Viver mal, tal como o uso de drogas, gastar dinheiro no jogo, em discotecas e por aí adiante, na realidade não fazem parte do mundo do Budou, por isso não são uma boa escolha para “vida pessoal”.

Tem alguma preferência por técnicas de Aikido?

Deveria dizer “não” e deveria dizer que para mim é tudo o mesmo… é a resposta ideal. No entanto, não é a verdade. Eu gosto muito das técnicas de aikiken. Se não se aprende esta arte de Aiki do fundador, nunca se aprenderá aikido. É o alicerce do Aikido.

O que quer dizer “esta arte de Aiki”? É uma arte diferente do Aikido?

Não, como eu disse anteriormente, eu vejo o Aikido como uma Via do Aiki, um budou que tudo engloba. O Aikiken é uma arte dentro desta Via.

Mas se só se aprender Aikiken não se saberá todas as técnicas de taijutsu, certo?

Claro. Mas, se fores professor, tens de saber Aikiken profundamente para poder ensinar corretamente, pois quando se ensina usa-se sempre os termos e princípios da espada do Aiki. De outro modo reverte para um simples jujutsu.

Mas existem muitos estilos de Aikiken nos dias de hoje…

Assim parece. O Aikiken de O’Sensei é o que é ensinado em Iwama por Hitohira Sensei e antes dele, pelo seu pai. Alguns antigos mestres viram O’Sensei usar o ken, mas nunca aprenderam a quantidade e precisão de técnicas e princípios que o meu mestre Saito aprendeu. Este é um facto histórico bem conhecido e provado. Shirata Shihan, um antigo aluno de O’Sensei, agora falecido, tinha um modo diferente de Saito Sensei de usar o ken devido a ter aprendido com O’Sensei antes da guerra e esteve muitos anos afastado enquanto O’Sensei continuou a estudar, e a alterar e a melhorar a sua técnica.

Depois de O’Sensei morrer, ele costumava fazer muitas perguntas a Saito Sensei sobre as técnicas de O’Sensei. Muitos professores também fizeram isto. No entanto, talvez por não terem tido tanto contacto com o Fundador como Sensei teve, eles sentiram que a sua arte era incompleta e misturaram outras artes marciais e também fizeram as suas próprias técnicas, algumas vezes baseados nos conhecimentos de Saito Sensei, outras vezes baseado noutras escolas de kenjutsu. No entanto, existe apenas um Akiken verdadeiro e esse é o que é ensinado em Iwama por Hitohira Saito Sensei. Isto é um facto, não é algo que é dito levianamente.

::TOPO::

Há cerca de dois anos, esteve envolvido numa longa discussão em fóruns de aikido e artes marciais. Muitas pessoas ficaram ofendidas com a sua atitude. Pode explicar isto?

Não. Eu não estive envolvido em nenhum fórum! (por favor, sublinhe isso). E certamente em nenhum fórum português! Há uns anos atrás alguns dos meus amigos internacionais pediram-me para escrever algo num fórum de um jornal de aikido mundial. Por isso escrevi duas ou três vezes para este… mas mesmo assim… a maioria das pessoas envolvidas em fóruns, obviamente, não treinam o suficiente para compreender sequer o que devem perguntar, por isso é ilógico participar neste tipo de actividades. Uma vez estava à procura de informação para um artigo de agricultura e encontrei um fórum de budou que era fantástico. As pessoas envolvidas eram de padrões morais altos e de elevado nível na sua arte. Suponho que era um fórum de uma arte marcial japonesa… Nunca mais consegui voltar a este fórum. Em Portugal, infelizmente não existe este tipo de fórum.

Mas o seu nome aparece…

Sim, eu sei que aparece. Alguém que possivelmente não gosta muito de mim (risos) usou o meu nome nestes fóruns. Também usaram o nome de alguns alunos meus. Pedimos às autoridades para acabar com isto por ser um crime punível com prisão. Mesmo assim continuam a fazê-lo aqui e ali. Não tenho ideia de quem usa o meu nome e porque o faz. Eu não me misturo com outros estilos de aikido porque tenho bastante para estudar. O nosso método de estudo é completamente diferente de todos os outros… por isso, não compreendo a antipatia destas pessoas.

Li que recentemente tem vindo a reestruturar a sua organização. Porque está a fazer isto? Não era a sua organização uma das maiores em Portugal?

Sim. Era uma das maiores. Tínhamos centenas de praticantes por todo o país. A certa altura chegamos a ter perto de 700. Para uma organização de aikido independente, é muito. Agora suponho que seja a mais pequena (risos). Esta reestruturação começou por si mesma. Alguns alunos que não estavam satisfeitos e saíram sentindo-se uma alteração imediata – para melhor. Isto fez-se sentir em todos os dojos. Por isso tomámos isto como um sinal de que realmente estávamos a precisar de fazer uma limpeza e solidificar as nossas fundações de novo.

A nossa organização de Aikido deve seguir estritamente os métodos de prática e de vida tradicionais, por isso todos os associados que não encaixam neste tipo de organização simplesmente não podem ficar. Então, o que começámos a fazer foi aplicar estritamente os Regulamentos Internos – estes regulamentos existem desde o nascimento da organização – e isto, por sua vez, forçou a alterações profundas. Depois, também alterámos alguns destes regulamentos em Assembleia Geral. Sensei diz que organizações pequenas são melhores, porque a qualidade é melhor e são mais fáceis de gerir. Esta é a verdade. E estamos na realidade a sentir isto agora. Suponho que ainda vamos ter mais um ano de mudanças.

Algum membro da sua família pratica aikido?

A minha família é sagrada, não a envolvo em conversas que exponham ao público algum membro da minha família.

Mas um dos seus primos costumava praticar aikido durante algum tempo, era há 10 anos atrás?

Não respondo a perguntas que tenham que ver com a minha família. No budou tradicional nós protegemos as nossas famílias e ajudamo-las. Quando estava a tomar conta de Sensei e fui chamado de volta para Portugal porque um membro da minha família mais chegada estava gravemente doente, Sensei disse, “Volta. A família vem em primeiro lugar. Sempre veio em primeiro para mim. Estarei aqui à espera do teu regresso”. Sensei faleceu, mas esta mensagem é bastante clara. Também tu deves proteger a tua família e colocá-la à frente de tudo.

::TOPO::

A sua organização ainda não pertence à FPA? Porquê?

Políticas, eu sabia que esta pergunta haveria de aparecer.

Primeiro, nas nossas Assembleias-gerais, discutimos sempre este tema. As federações são úteis se houver uma finalidade real para elas. Federações que incluem muitos estilos de uma arte, são feitas por muitas organizações. Isto é bom. No entanto, se estas federações necessitarem de dinheiros públicos, dinheiro dos contribuintes para sobreviver, então o país não precisa delas. É imoral. Cada organização devia aprender a sobreviver livremente sem usar o dinheiro dos contribuintes. Temos feito isso há muitos anos. Se esta federação nacional fosse devotada ao desenvolvimento do aikido através de acções ou actividades fomentadas por elas próprias, e apenas isso, talvez já estivéssemos lá dentro. Mas as organizações estão juntas por causa do dinheiro, esta é a verdade. Isto não é correto. Embora seja isto o resultado de leis Europeias e leis feitas pelos sucessivos governos portugueses; não concordo com isso.

Segundo, eu pergunto sempre aos nossos associados quem quer estabelecer o contacto com a federação? Quem vai às reuniões? Eu, certamente não quero ir. Mas parece que ninguém quer ir (risos).

Nesta altura de grave crise, gastar o dinheiro dos contribuintes em federações, especialmente naquelas que não estão directamente envolvidas em competição a um nível internacional representativas do nosso país, é um desperdício de dinheiro. No entanto nós estamos sob uma enorme pressão para entrar para a FPA. Este tipo de pressão é ilegal, pela Constituição da República Portuguesa. No seu artigo 46º, estabelece que ninguém pode ser forçado a pertencer a uma associação. Isto tende a ser esquecido por alguns praticantes de Aikido e por muitas entidades oficiais.

Qual é a primeira coisa que ensina a um aluno?

Bom, primeiro pedimos aos novos alunos que vejam uma aula de Taijutsu e de Bukiwaza. Depois, é claro que mostramos os preços (risos). Não vale a pena ir mais longe se a pessoa não concorda com os preços. Não há vergonha nenhuma em admitir isto. Se esta pessoa concordar e vem treinar, primeiro ensinamos a vestir o keikogi, depois, no dojo, como fazer a saudação e como limpar.

Os seus alunos limpam o dojo?

Claro! Não há Aikido sem limpeza. Se há professores a ensinar Aikido sem ensinar os seus alunos como limpar o dojo, ou são incompetentes ou mentirosos. Nós aprendemos Aikido para forjar os nossos corpos, mentes e espíritos numa jóia de ser humano. Forjar é limpar e moldar. Nós começamos e acabamos todas as aulas com limpeza. Sempre fizemos assim. Era assim no tempo de O’Sensei e antes dele também. No tempo de Morihiro Saito Sensei também foi assim. O aluno prepara a aula, purifica-a para a chegada do professor. Quando a aula acaba o professor vai-se embora e o aluno deve limpar o dojo antes de voltar para casa. O dojo é um local sagrado e por isso deve ser mantido limpo.

E se alguém não quiser limpar?

Bom, essa pessoa será convidada a sair e a não regressar. Aqueles que não se opõem à limpeza mas não participam nela, são avisados para alterar a sua conduta ou deixar o dojo de vez.

 

(Fim da Primeira Parte)

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